sexta-feira, 24 de outubro de 2008





A Queda do Muro de Berlim na Comunicação...





A partir da queda do Muro de Berlim, em 09 de novembro de 1989, muito se soube sobre o desencanto com o Socialismo e sobre o malogro de ideologias de esquerda que o tomavam como premissa básica. Porém, considero importante a reflexão sobre o que significou a denominada ‘falência’ do Socialismo para as forças partidárias e políticas de esquerda de nosso país, buscando saber até que ponto estes ideais socialistas sobrevivem e permeiam tais ideologias, constituindo-se numa alternativa política e social para o Brasil.
Em termos de Brasil, a queda do Muro de Berlim permitiu que a direita tradicional, junto com o discurso internacional do fim do socialismo, fizesse uma campanha de ‘morte do socialismo’. Nos movimentos sociais e nas organizações de esquerda, houve muita confusão. Setores que sempre foram contra o socialismo real se sentiram abatidos também. Os trabalhadores, os proletários, aqueles de classes menos favorecidas foram bombardeados com a idéia do fim do socialismo, o que gerou uma perda de referências ideológicas. Vemos que o país passou a ser alvo de políticas de consolidação da hegemonia dos EUA, que buscavam efetivar aqui a abertura de mercados sob seu domínio; um processo iniciado a partir da crise dos partidos de esquerda e com a ascensão do governo Collor (1990 a 1992). No Brasil, a partir da vitória de Collor e em uma conjuntura internacional favorável ao imperialismo, houve a implantação para valer do neoliberalismo: privatizações, sucateamento da economia nacional, abertura total da economia e desemprego crescente. No plano político, marasmo e derrotas nos movimentos sociais e adaptação cada vez maior das direções de esquerda ao regime – fator preponderante na explicação das vitórias do neoliberalismo nesse período. A falta de um programa mais articulado e alternativo ao capitalismo, aliado a um regime socialista internacional bastante vulnerável, autoritário e em franca decadência, resultou na marginalização dos PCs, sobretudo entre as classes subalternas. Os PCs brasileiros mantiveram estruturas partidárias do Leste europeu e não conseguiram projetar um programa com especificidades brasileiras. Não obstante, os partidos brasileiros de esquerda deixaram em segundo plano muitos referenciais que possibilitavam a pressão das classes subalternas em relação às dominantes, abrandando as lutas de classes, passivizando as ideologias de esquerda e desenvolvendo uma política contrária ao radicalismo grevista, característico dos anos de 1970 / 1980. Tomemos como exemplo o PT (Partido dos Trabalhadores), um partido de esquerda independente da década de 1980, que mantinha maior identidade com as classes menos favorecidas. No final da década, com o colapso socialista, sob a tentativa de se reformar, o PT caiu em um programa democrático que variava entre uma democracia representativa e uma tentativa de constituir uma democracia participativa – ambos os projetos extremamente precários e superficiais. Neste processo confuso, com tendências à diminuição das tensões classistas, a esquerda brasileira se viu envolvida em constantes contradições, o que favoreceu o avanço das políticas de direita no país. Imperou a partir de então, não somente no Brasil, mas também internacionalmente, uma profunda e visível desorganização partidária, que facilitou a consolidação de projetos conservadores no período pós-desestruturação do socialismo. Com os acontecimentos de 1989, o PT passou a problematizar a questão democrática e os paradigmas utilizados nos partidos de esquerda até então, por exemplo, a centralidade da luta nas causas proletárias pelo socialismo, um dos principais fatores que desencadearam a crise do socialismo no interior do PT. A maioria das correntes de esquerda, ainda que sem admitir expressamente, adaptou na prática sua política à tese de ‘morte do socialismo’, passando abertamente a se propor a administrar o capitalismo e se integrando à defesa do regime democrático burguês, tendo como eixo absoluto de atuação as instituições deste regime. A queda do Muro pegou o PT em plena campanha eleitoral e, em primeira instância, não afetou o partido, que chegou ao segundo turno das eleições. Foi no segundo turno que os partidos liberais passaram a usar a queda do Muro de Berlim contra o PT, apelando para a modernidade, frente aos projetos derrotados da esquerda internacional.Assim, a proveniente derrota de Lula, em 1989, entrou para o rol de todas as derrotas da esquerda internacional, trazendo a crise do socialismo para o Brasil, quando também alguns aspectos referentes ao socialismo e aos métodos para alcançá-lo passam a ser questionados – surge a era do ‘consenso democrático’. O momento vivido pelo Brasil era de implantação do projeto neoliberal e foi justamente aí que, em virtude da situação mencionada, o sindicalismo passou por fases de imobilismo, de redução de greves e tensões, revelando o primeiro dos grandes refluxos vividos pelas bases do PT. Não obstante, a crise do socialismo gerou, para o PT, acontecimentos que vieram a reorganizar suas posições, no sentido de tentar ampliar suas bases sociais e sua intervenção nas classes subalternas e médias. A organização do proletariado era o elemento identitário mais forte do PT na sua fundação e foi justamente esta identidade que mais sofreu depreciações com o colapso do socialismo. Enquanto isso, tendências internas do PT passavam a excluir do partido as forças que não se enquadravam nas normas partidárias, como foi o caso de um de seus grupos internos: a Convergência Socialista (CS) que, em 1992, foi levada a se retirar do partido. Sobre esta cisão interna do PT, Altemir Paulo Cozer contribui: “(...) a Convergência Socialista, corrente de orientação trotskista, que sempre combateu a deformação do socialismo colocada em prática por Stalin desde 1923. Nós vibramos com a queda do Muro e do aparato stalinista.
Classificamos os movimentos que derrubaram o muro e a URSS, como revoluções, como dizia Trotsky, revoluções políticas. Foram movimentos de massa contra a burocratização e a queda do nível de vida da classe imposto pela burocracia. Nós nos dedicamos a divulgar os fatos do leste europeu como uma vitória dos trabalhadores do mundo todo. Combatemos a ofensiva ideológica imperialista do fim do socialismo. E reafirmamos que a revolução socialista e o socialismo estavam mais vivos do que nunca.”20 É consenso, entre os entrevistados, que um dos mais polêmicos aspectos da crise do socialismo foi a sua correlação com a chamada crise do proletariado, bem como o êxito obtido pelo PT em crescimento eleitoral e, em contradição, seu fracasso, sob a forma do avanço do projeto neoliberal, que privou seu discurso do apoio das massas, já que o nacionalismo estava desgastado pela globalização. A vitória do neoliberalismo no período em questão, o discurso do fim do socialismo, a política das direções mais reconhecidas da esquerda de adotar a defesa do regime democrático burguês e a administração ‘humanista’ do capitalismo provocaram profundas mudanças na consciência da sociedade e, em particular, da vanguarda mais participativa e militante. É o que comprovam as palavras de Victor Hugo Ghiorzi: Na população em geral, após o ‘soluço’ da queda de Collor, canalizado para a institucionalidade com a assunção de Itamar Franco, houve um recuo
imenso na participação em processos políticos não eleitorais: greves, passeatas, mobilizações, protestos, dias de lutas, etc. A vanguarda, em sua esmagadora maioria, dividiu-se entre o caminho de casa e o dos gabinetes, representada pelo acompanhamento da política das direções.21 Sem sombra de dúvidas, ocorria no mundo uma grande mutação, que marcaria a virada da história do século XX. As mudanças mais visíveis nos partidos de esquerda do Brasil culminaram, em 1992: no PT, com a expulsão da tendência minoritária da Convergência Socialista e a conseqüente formação do PSTU; no PCB, com mais uma secessão do partido e a formação do PPS; no PC do B, com a adoção de um novo discurso trazendo críticas (até então inéditas ao partido) ao stalinismo. Na transição da década de 1980 para a de 1990, o resultado desta crise ainda era uma questão aberta, mas que dava margens a prever que as alternativas para as esquerdas viriam sob a forma da busca de um regime que se aproximasse da democracia socialista.

Porém, é importante termos em mente que os debates que tratam sobre a ascensão das esquerdas ao poder não surgem de maneira repentina, exatamente emseguida ao episódio da queda do Muro de Berlim e do declínio do socialismo em âmbito internacional. Analisando fontes de relatos de reuniões e conferências internas dos partidos de esquerda, especialmente do PT, vemos que, ainda nos anos anteriores a 1989, as discussões sobre as posturas e os caminhos a serem tomados de forma a afirmar a esquerda política e socialmente já eram freqüentes. Em 1986, José Dirceu e Wladimir Pomar afirmavam que o PT enfrentava diversos desafios decorrentes de sua postura anticonservadora e que o Partido, como um todo, teria que fazer um grande esforço para entender a própria sociedade brasileira, correndo o risco de ver muitos de seus militantes abraçarem as respostas de grupos sectários (como de fato ocorreu). A perspectiva apontada no período era de se buscar uma ‘via socialista’ para o Brasil por meio do profundo conhecimento do capitalismo no país, de seu estágio de desenvolvimento e de suas formas de expansão. Neste contexto sócio-político, vemos que negar-se a jogar no mesmo campo que a centro-direita levaria a esquerda à marginalidade política, portanto esta última, nos anos seguintes ao declínio do socialismo, necessitava de um programa, uma alternativa que lhe desse o prumo. O dilema era ter que escolher entre a defesa de um modelo diferente (socialista) ou se adaptar e se moldar aos existentes, buscando modificar alguns de seus pontos sem, contudo, se opor por inteiro ao status quo.

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