sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Movimento Hippie
Espalhados em feiras de artesanato, nas esquinas, nas ruas, em portas de bares e bazares, os herdeiros do movimento hippie norte-americano - que protestou contra a guerra do Vietnã e suplicou por paz e amor - dispensaram a ideologia e ficaram apenas com a sobrevivência através da arte. “Micróbios”, “Artesãos”, “Malucos” ou “BR”, como se intitulam; não possuem moradia fixa, viajam para todos os cantos do país e atestam que o “movimento hippie morreu”.
As influências permanecem: são contrários ao estilo de vida yuppie, que caracteriza jovens de 20 a 40 anos recém-formados em uma busca incessante pela ascensão na carreira e bens de consumo. Não suportam a hierarquia e regras do mercado de trabalho formal - principal motivo da escolha de um modo de vida alternativo. Produzem sua própria arte com instrumentos simples como alicate, martelo, tesoura e arame. A bebida, o fumo e os alucinógenos são inseparáveis companheiros de estrada.
“O que sobrou do movimento hippie é isso: “arte na veia”, explica o artesão Raul Andrade, 27 anos. Raul já vagou pelas ruas sem rumo, “dava uma de micróbio”, diz. Hoje tem endereço fixo, mas vive viajando. Quando perguntado sobre o que caracteriza o hippie, argumenta: “Alguns cultivam a arte”. Tem cara que sobe em poste e pega cabo de telefone para fazer um colar. Esse eu considero hippie, agora tem gente que compra na Rua 25 de março e vem vender na Avenida Paulista”.
Maria Emília, 49 anos, é das antigas. Abandonou o curso de letras na Unicamp em 1979 e foi viver em uma comunidade rural no Mato Grosso. “Foi uma experiência interessante, mudei muito”. Maria hoje vive de vender artesanato na Angélica, avenida de classe alta em São Paulo. Sobre o movimento hippie, acredita que já passou, mas lembra conquistas. “O movimento já não cabe nesse sistema, mas muita coisa mudou. Não é mais um choque fumar na rua ou usar esse ou aquele tipo de roupa”.
Os atuais “hippies” passaram a ser divididos em categorias: o micróbio é o que mora nas ruas, é desencanado com a aparência e geralmente consome mais drogas que os demais; o artesão vive da sua própria arte, faz tudo com originalidade, mas é ligado à família e tem moradia fixa; os malucos são um misto de micróbio e artesão: têm casa, vivem da arte, mas de vez em quando não resistem à boemia; e o BR é o que fica nas estradas pedindo carona e viajando pelo país.
Raul chega a vender um colar por R$1,50. “Demoro uma semana para confeccionar um colar desse”. Na banca, o ex-micróbio com carteirinha de artesão emitida pela prefeitura, tem outros artefatos interessantes, como dentes de javali e uma bolsa feita com a pele de uma cobra que encontrou na Serra da Cantareira, vendida por R$ 50,00. Interrompido por uma artesã que pergunta se qualquer um pode expor, Raul demonstra a irmandade dos hippies: “É só chegar e arrumar um espaço livre”.
Alguns produtos comercializados causam problemas com a polícia como as maricas, espécie de cachimbo usado para tudo - inclusive para o consumo de crack. “Tem um monte de tabacaria que vende marica, mas como estamos na rua, os caras querem tomar nossa barraca e falam em apologia”, revela o artesão Pablo Alexandre, 25 anos. Sua companheira de trabalho, Andressa de Moraes, de 18 anos, já recebeu críticas de clientes. “Tem gente que fala se não é melhor pra mim que eu tenha um emprego fixo, mas eu prefiro fazer o meu próprio horário”.
Daniel dos Santos, Vidal Antônio, ambos com 21 anos, e Peterson Mendes, de 22 anos, consideram-se “micróbios”.
Membros de um grupo de aproximadamente sete pessoas, vão para onde querem na base da carona e do dinheiro que conseguem com a venda de artesanatos. Daniel tem um pai que é artesão e faz barcos de madeira dentro de garrafas de vidro. Apaixonado pelo ofício desde criança, caiu no mundo: “Faço tudo de coração. Pego o dinheiro que recebo, bebo uma cerveja, fico louco e é isso” diz, revelando nenhuma aspiração de consumo.
“Não somos hippies, o movimento ficou no passado, pertence a um grupo de um tempo específico, mas vivemos da nossa arte e estamos fazendo nossa própria vida”, revela Peterson, que se indigna com o tratamento que é dado ao trabalho do artesão no Brasil. Na presença da reportagem do Guia da Semana, parava pessoas na Avenida Paulista: “Você quer dar um minuto da sua atenção à arte brasileira?”. Sem resposta, conclui: “é por isso que ainda representamos um movimento de resistência”.



O Hippie ficou Pop

Outro fator importante na cultura hippie foi a popularização que alcançou - até a Sandy interpretou uma no papel de Cristal da novela Estrela-Guia. Presentes nos mais variados artigos, roupas, acessórios, incensos, batas, saias, é possível encontrar hippies e seus artesanatos em feiras espalhadas pela cidade: em São Paulo, na Praça da República e na Avenida Paulista é comum encontrá-los durante a semana, mas são realizadas feiras especiais aos sábados e domingos. Na feira da Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, além de antiguidades, a cultura hippie também pode ser vista aos sábados. Moda hippieMuitas peças e acessórios foram eternizados por meio dos hippies: estampas multicoloridas, tecidos de estilo cashmere de roupas indianas, calças boca-de-sino com sapatos plataforma, bordados em roupas e bolsinhas de mão, bolsas de crochê, faixas na cabeça, óculos de sol redondos, brincos compridos, lenços, etc. E os neo-hippies?São os que de algum modo acreditam no ideário hippie, mas não cultivam o mesmo estilo de vida de seus antecessores. Criticam o Bush e a guerra do Iraque, embora não representem um movimento maciço de contestação. São considerados por muitos críticos como apenas um movimento de moda da classe média alta - alavancada pelas raves e a cultura trance nos anos 90. Dreadlocks, roupas coloridas, malabares, alucinógenos e drogas sintéticas, bem como o revival de clássicos do psicodelismo dos anos 70 são outros estereótipos que compõem os chamados neo-hippies.

Nenhum comentário: